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Assunção
havia-se transformado na pérola das colônias
espanholas na América.
O general Irala, que numa conspiração
derrubara o segundo adelantado (governador de província)
e estendera seus domínios às planuras
do Pampa, aos contrafortes dos Andes e até Sierra
Encantada-Peru, ao Norte, investiu para o Leste e chegou,
em 1554 , às terras de Guaíra, atual Paraná.
Ali foi recebido por 300.000 guaranis com alegria e
hospitalidade, como narra Barbosa Lessa em seu livro
"História do Chimarrão".
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Além
da acolhida, o que chamou a atenção foi
que os índios de Guaíra eram mais fortes
do que os guaranis de qualquer outra região,
mais alegres e dóceis. Entre seus hábitos,
havia o uso de uma bebida feita com folhas fragmentadas,
tomadas em um pequeno porongo por meio de um canudo
de taquara na base um trançado de fibras para
impedir que as partículas das folhas fossem ingeridas.
Os guaranis chamavam-na de caá-i (água
de erva saborosa) e dizem que seu uso fora transmitido
por tupã.
Os
conquistadores provaram o chimarrão e realmente
o acharam saboroso e alguns poucos goles davam uma sensação
de bem-estar ao organismo. De volta a Assunção,
os soldados de Irala levaram um bom carregamento de
erva. Em pouco tempo, o comércio da erva-mate
se tornava o mais rendoso da Colônia. O uso do
chimarrão se estendeu às margens do Prata,
conquistou Buenos Aires, transpôs os Andes, chegou
a Potosi, enriquecendo os donos do Paraguai. Assunção
dobrou de população e de tamanho. As fortunas
se agigantavam.
O
chimarrão também fez a riqueza dos jesuítas
que se estabeleceram no Guaíra, ao sul do Paranapanema
e nos Sete Povos, à margem oriental do Uruguai.
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Fazendo plantio de ervais, depois de fracassos iniciais
para germinar a semente, os jesuítas inventaram
a caá-mini, pó grosso de erva- mate, que
passou a valer três vezes mais e, com sua exportação,
ganharam muito dinheiro, trazendo um período
de opulência para os Sete Povos e as Missões.
Os bandeirantes invadiram as Missões do Guaíra
em 1638, descobriram também a erva-mate e a levaram
para São Vicente. Por sua vez, os tropeiros que
vinham de Minas Gerais comprar mulas nos Campos Gerais,
voltavam com grandes carregamentos de mate. Assim, o
chimarrão se espalhava e todos que o sorviam
aprovavam o seu uso. |
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Quando,
em 1813, o ditador paraguaio, Dr. Francia, proibiu as
exportações de erva-mate, o Brasil se
tornou o único produtor e exportador de chimarrão.
Comerciantes paraguaios e espanhóis vieram instalar-se
no Paraná, trazendo engenhos de soque. Com a
abertura da estrada Serra Graciosa, em 1876, Curitiba
se tornou um centro de exportação, transformando
a erva-mate em uma das maiores riquezas nacionais. Com
a decisão da questão dos limites de Missões,
em 1910, o presidente dos Estados Unidos, escolhido
como árbitro, julgou o caso a favor da Argentina
e lá se foi uma boa parte de nossa região
ervateira, a única até hoje daquele país,
na província de Misiones.
Os argentinos descobriram o segredo que havia sido guardado
com os jesuítas de como fazer germinar a semente
e plantaram seus ervais que, em pouco tempo, se estendiam
em milhares de pés pelo território de
Misiones. No primeiro ano da colheita, 1914, alcançavam
3 milhões de quilos e, vinte anos depois, atingiam
os 7 milhões de quilos. Atualmente, a Argentina
é o maio exportador, com 38 mil toneladas, em
1995 e o maior produtor com 780 mil toneladas. Em segundo
vem o Brasil com 550 mil toneladas produzidas e 26.422
exportada nesse mesmo ano. O outro país que desenvolve
a cultura é o Paraguai, com uma produção
de 64 mil toneladas e 112 toneladas exportadas, segundo
dados dos anais do III Encontro Nacional sobre a Cultura
da Erva-Mate. (25.4.1990 Erechim/RS.)
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A
chimarrão também é consumido no
Chile e no Uruguai, que apresenta o maior consumo per
capita 8—10 kg/hab/ano, enquanto na Argentina
se situa ao redor de 6,5 kg/hab/ano e, na região
sul do Brasil, entre 3 e 5 kg/hab/ano. O principal consumidor
externo é o Uruguai, que responde por cerca de
80% das exportações brasileiras, enquanto
o principal importador da Argentina é a Síria,
consumindo cerca de 38% de suas exportações,
seguida pelo Brasil com 32%. A erva-mate é ainda
exportada para Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.
Essa imensa riqueza tem 85% de sua área de distribuição
geográfica concentrada nos três Estados
do Sul do Brasil. |
Todos
os que experimentam aprovam seu sabor e seus efeitos
estimulantes e tonificantes. Por isso, seu consumo tem-se
espalhado pelo mundo.
Atualmente, uma bebida energética — Blue
Energy — feita nos Estados Unidos com erva procedente
da Alemanha, é muito consumida em boates brasileiras.
Além do tradicional chimarrão e chás,
verifica-se evolução no mercado para produtos
derivados de erva-mate e, especialmente os prontos para
beber, ressaltando-se o fato de serem naturais, o que
atrai o consumidor. Há, pois, um campo enorme
para crescimento do consumo da erva-mate, tanto no Brasil
como no exterior.
Por outro lado, existem pesquisas e tecnologias disponíveis
que permitem melhorar o padrão do chimarrão
produzido e aumentar a sua produção, através
do adensamento dos ervais nativos ou do plantio de novos
ervais. O beneficiamento do chimarrão está
sendo modernizado e outras pesquisas vêm sendo
buscadas em termos de mercado, usos alternativos e qualidade
de produção. O certo é que os tempos
de esplendor experimentados em Assunção,
nas Missões Jesuíticas, no Paraná
podem ser revividos. Basta que a indústria nacional
do chimarrão se una e explore esse marketing
fabuloso que a caá-i traz em seu âmago. |
Os benefícios do Chimarrão |
Análises
e estudos sobre a erva-mate têm revelado uma composição
que identifica diversas propriedades nutritivas, fisiológicas
e medicinais no produto, o que lhe confere um grande
potencial de aproveitamento. |
O
mestre em botânica Renato Kaspary em publicação
de 1991 sobre erva-mate e Eunice Valduga, em dissertação
para obtenção do grau de mestre (95),
trazem várias informações a respeito.
Na constituição química
da erva-mate, aparecem:
Alcalóides (cafeína, metilxantina, teofilina
e teobromina), taninos (ácidos fólico
e cafeico), vitaminas (A, Bi, B2, C e E), sais minerais
(alumínio, cálcio, fósforo, ferro,
magnésio, manganês e potássio),
proteínas (aminoácidos essenciais), glicídeos
(frutose, glucose, rafinose e sacarose), lipídeos
(óleos essenciais e substâncias ceráceas),
além de celulose, dextrina, sacarina e gomas.
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Assim,
considera Kaspary, "a erva-mate é considerada
um alimento quase completo, pois contém quase
todos os nutrientes necessários ao nosso organismo".
Também é extenso o rol de propriedades
terapêuticas da erva-mate, de modo especial em
razão da presença de alcalóides,
como a cafeína, na sua composição.
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Destaca-se
principalmente que o mate é estimulante da atividade
física e mental, atuando beneficamente sobre
os nervos e músculos eliminando a fadiga. Observa-se
também que estimulante do mate é mais
prolongada que a do café, sem deixar efeitos
colaterais ou residuais como a insônia e irritabilidade.
Por outro lado, o chimarrão atua sobre a circulação,
acelerando o ritmo cardíaco e harmoniza o funcionamento
bulbo-medular. Age também sobre o tubo digestivo,
facilita a digestão e favorece a evacuação
e mictação. É considerada ainda
um ótimo remédio para pele e reguladora
das funções do coração e
da respiração, além de exercer
importante papel na regeneração celular.
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O
chimarrão, segundo institutos de pesquisas internacionais,
é um tônico estimulante do coração
e do sistema nervoso: elimina os estados depressivos,
conferindo ao músculo maior capacidade de resistência
a fadiga, sem causar efeitos colaterais. Após
estudos realizados sobre os efeitos fisiológicos
exercidos pela erva-mate concluíram: O emprego
da infusão aumenta as forças musculares,
desenvolve as faculdades mentais, tonifica o sistema
nervoso, regulariza e regenera as funções
do coração e respiração,
facilita a digestão e determina uma sensação
de bem estar e vigor no organismo, sem acarretar depressões
ou qualquer efeito colateral no organismo, como a insônia,
palpitações ou agitações
nervosas provocadas por outras bebidas similares, permite
como bom alimento (natural) que sejam suportadas as
fadigas e a fome.
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A
erva-mate contém altas proporções
de vitamina E, efetiva na regulação das
funções sexuais, além de ser um
elemento indispensável para a pele.
As análises feitas com as folhas de erva-mate
mostram que esta planta possui vitaminas, aparecendo
em maior escala as do complexo B; possui também
cálcio, magnésio, sódio, ferro
e flúor, minerais indispensáveis a vida.
O chimarrão é rico em ácido pantotênico,
encontrado em menor escala na tão propalada geléia
real das abelhas, muito procurada pelas características
medicinais que possui.
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Conta
a lenda da Erva–Mate que um velho guerreiro guarani
vivia triste em sua cabana pois já não
podia mais sair para as guerras, nem mesmo para caçar
e pescar, vivendo só com sua linda filha yari,
que o tratava com muito carinho, conservando-se solteira
para melhor dedicar-se ao pai.
Um dia, Yari e seu pai receberam a visita de um viajante
que pernoitou na cabana recebendo seus melhores tratos.
A jovem cantou para que o visitante adormecesse e tivesse
um sono tranqüilo, entoando um canto suave e triste.
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Ao
amanhecer, o viajante confessando ser enviado de Tupã,
quis retribuir-lhes a hospitalidade dizendo que atenderia
a qualquer desejo, mesmo o mais remoto. O velho guerreiro,
sabendo que sua jovem filha não se casara para
não abandoná-lo, pediu que lhe fosse devolvidas
as forças, para que yari se tornasse livre.
O
mensageiro de Tupã entregou ao velho um galho
de árvore de Caá, ensinando-lhe a preparar
uma infusão que lhe devolveria todo o vigor.
Transformou ainda Yari, em deusa dos ervais e protetora
da raça Guarani, sendo chamada de Caá-Yari,
a deusa da erva-mate. E assim, a erva foi usada por
todos os guerreiros da tribo, tornando-os mais fortes
e valentes. |
Quando
os espanhóis por aqui chegaram, encontraram os
índios guaranis dóceis e receptivos, já
então utilizando uma bebida que sorviam em cabaças
por meio de um canudo, preparada, com folhas de uma
árvore nativa da região – chamada
cáa – dizendo que esta lhes havia sido
dada pelo deus Tupã. De imediato os espanhóis
adquiriram este hábito e passaram a tomar o chimarrão,
desde os soldados até oficiais, sem distinção
de classes sociais.
O chimarrão, tradicional e salutar hábito
do Rio Grande do Sul, é um símbolo da
hospitalidade do gaúcho, que oferece sempre a
qualquer visitante.
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Atualmente,
é bebido em uma cuia onde depositamos um pouco
de erva-mate já moída e de onde sorvemos
o líquido (água quente sem ferver), através
de uma bomba de metal.
O costume de tomar chimarrão está bastante
difundido, tanto no meio rural como no urbano e faz
parte da vida do gaúcho desde o amanhecer até
a noite, quando encerra suas tarefas do dia.
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Comparações
com o Chimarrão |
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Mate
prá estribo
é o último mate com que se brinda um visitante
ao estar pronto para partir
Como o mate do João Cardoso
emprega-se para designar um fato que nunca se realiza
Aquentar água para outro tomar mate
preparar um negócio para outra pessoa colher
os lucros
Andar de carijo aceso
diz-se da moça que anda "feito louca"
atrás de namorado
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A
vida é como o mate, cura cevando
é vivendo que se aprende
Fulano anda tomando mate com rapadura
estar feliz, alegre
Andar com cara de mate fervido
andar sem graça, triste
Primeiro os encargos, depois os amargos
primeiro as obrigações, depois os mates
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Linguagem
Poética do Chimarrão |
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Mate
com significa...
Mel - quero casar contigo
Açúcar - queimado és simpático
canela - só penso em ti
açúcar - quero tua amizade
frio - desprezo-te
sal - não apareças mais aqui
casca de laranja - vem buscar-me
amargo - chegaste tarde, já tenho outro amor
lavado - vai tomar mate noutra casa
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O
ato de prepara o mate pode ser chamado de:
cevar
o mate
fechar o mate
fazer o mate
enfrenar o mate
A palavra amargo também é
usada em lugar de mate ou chimarrão. Convite
para tomar mate:vamos matear?
vamos gervear?
vamos chimarrear?
vamos verdear?
vamos amarguear?
vamos apertar um mate?
vamos tomar mate ou um mate?
vamos tomar um chimarrão?
que tal um mate? |
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O
mate pode ser tomado de três maneiras, em relação
à companhia: o mate solito (isoladamente); o
mate de parceria (uma companheira ou companheiro) e,
finalmente, em roda de mate (em grupo). |
O
MATE SOLITO
O homem que não precisa de estímulo maior
para matear, que sua vontade; no geral, é o verdadeiro
mateador. |
O
MATE DE PARCERIA
A pessoa espera por um ou dois companheiros a fim de
motivar o mate, pois não gosta de matear sozinha.
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RODA
DE MATE
É na roda de mate que esta tradição
assume seu apogeu, agrupando pessoas sem distinção
de raça, credo, cor ou posse material (o homem
vale pelos seus atos). Irmanados dentro deste clima
de respeito, o mate vai integrando os homens numa trança
de usos e costumes, que floresce na intimidade gaúcha.
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O
gaúcho nunca pede um mate, por mais vontade que
tenha. Poderá sugeri-lo de forma sutil, esperando
que lhe ofereçam. Há um respeito mítico,
nas rodas de mate, percebido até por pessoas
alheias ao meio, trascendendo ao próprio ato
de matear. Introspectivo por excelência, induz
o homem a uma busca interior, despertando a auto-análise
em relação ao meio. Companheiro calado
nos mates solitos, se fez vaqueano deste silêncio,
onde se amansam sentimentos para a grande compreensão
da vida! |
A
MÃO DIREITA
Para se receber o mate ou entregar a cuia de mate, deverá
ser feito com a mão direita. No caso da mão
direita estar ocupada, a pessoa deverá dizer:
-
Desculpe a mão!
Ao que o outro responde:
- É a mesma, a do coração.
Fora dessa exceção, sempre com a mão
direita. |
ENCHENDO
O MATE
No ato de encher o mate, pega-se a cuia com a mão
esquerda e o recipiente com a direita. Após,
acomoda-se o recipiente e se troca a cuia de mão
para matear ou oferecer o mate, seguindo-se, sempre,
pelo lado direito, o lado de laçar.
O
sentido da volta na roda de mate deverá partir
pela direita do cevador ou enchedor de mate. |
A
ÁGUA PARA PREPARAR O MATE
A temperatura da água para preparar o mate nunca
deve estar muito quente, pois pode queimar a erva, dando
um gosto desagradável ao mate e lavando rapidamente. |
O
PIALADOR DE MATE
É o indivíduo que, chegando numa roda
de mate, se posiciona de tal modo que a cuia fique a
sua esquerda, à frente da pessoa que está
mateando, lembrando o campeiro que se posiciona estrategicamente
à saída da mangueira!
O correto quando se cheganuma roda de mate é
ficar antes do mateador, isto é, tendo a pessoa
que está mateando a sua direita. |
A
ÁGUA DO MATE
A água para o mate nunca deverá ser fervida,
pois se tornaria pesada, pela perda de oxigênio,
transmitindo um sabor diferente ao mateador.
O ideal é quando a água apenas chia. |
CEVAR
COM CACHAÇA
Algumas pessoas quando fecham um mate (ato de preparar
o mate), costumam, em lugar de água para inchar
a erva, colocar cachaça, pois a cachaça
fixa por mais tempo a fortidão da erva-mate,
sem deixar o gosto do álcool. Este modo de preparar
serve tanto o mate amargo (chimarrão) como para
o mate doce.
A cachaça é só para iniciar o mate.
Uma vez inchada a erva, cospe-se fora a infusão
até roncar bem a cuia, esgotando-se comletamente
o líquido. Depois desta operação,
é só seguir cevando normalmente, com água,
o mate. |
SÓ
O CEVADOR PODE MEXER NO MATE
A menos que se obtenha licença, só o cevador
deve arrumar o mate, considerando-se falta de respeito
alguém mexer sem permissão. Mesmo que
o topete (barranco) esteja se desmanchando ou qualquer
outro problema com o mate, devemos entregá-lo
ao enchedor ou cevador. Podemos, isto sim, ao devolver
a cuia, avisá-lo da ocorrência.
O bom cevador, cada vez que recebe a cuia, antes de
enchê-la, dá uma ajeitada na bomba, de
modo que renove o fluxo de seiva, demonstrando, assim,
seu conhecimento na intimidade com o mate. |
EM
RODA DE MATE
É comum, após o primeiro mate, que sempre
é do cevador (o que faz o mate), ter início
a rodade mate a partir do mais velho ou de alguém
a quem se queira homenagear.
Quando já estamos mateando e chega alguém
a quem desejamos mostrar deferência especial,
é fechado um novo mate em sua homenagem. |
O
PRIMEIRO MATE
Como já falamos, todo aquele que fecha um mate
(faz o mate) deve tomar o primeiro em presença
do parceiro ou na roda de mate.
Este fato tornou-se tradicional devido a épocas
remotas em que o mate serviu de veículo para
envenenamentos. Por isso, o ato do mateador tomar o
primeiro indica que o mate está em condições
de ser tomado.
Ainda no caso do primeiro mate, outro motivo que nos
chega foi devido aos jesuítas, que atribuindo
valores afrodisíacos ao mate, e para evitar que
os índios passassem a maior parte do dia mateando,
tentando afastá-los do hábito, criaram
o mito entre os silvícolas cristianizados que
Anhangá Pitã (diabo) estava dentro do
mate.
Mas não foram bem sucedidos os jesuítas
e o hábito salutar sobrepujou o temor que lhes
fora impresso. Por isso, toda vez que o indígena
ia tomar um mate em presença dos outros, tomava
o primeiro mate como demonstração que
Anhangá Pitã não se encontrava
no mate. |
RONCAR
CUIA
Uma vez servido o mate, deve ser tomado todo, até
esgotá-lo, fazendo roncar a cuia. |
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Senhor,
eu te agradeço a invenção do
chimarrão!
Ele é mais uma reinvenção da
fraternidade, no teu amor e união.
Faz a comunhão de pessoas.
Cria laços de amizade, eterniza o amor humano.
E que eu descubra em cada chimarrão uma força
de amor, que brota desta seiva verde,
Que seguro em minhas mãos.
Ensinaste-me a grande lição de simplicidade,
de humanidade, de franqueza de coração,
pois tomamos na mesma cuia, que irmana a todos, na
mesma roda comum.
|
Ensinaste-me
a lição da alegria, porque são
horas de causos e histórias com a na mão,
constrói-se a união.
A roda de chimarrão é vida, Senhor!
A roda é força, pois ela une, confraterniza,
distrai, alegra, alimenta e constrói.
Amém.
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Origem
da palavra Chimarrão |
Roberto
Ave-Lallemant (1812-1884) visitando o Rio Grande do
Sul em março de 1858, registra a importância
folclórica do chimarrão: "O símbolo
da paz, da concórdia, do completo entendimento
– o mate! Todos os presentes tomaram o mate. Não
se creia, todavia, que cada um tivesse sua bomba e sua
cuia própria; nada disso! Assim perderia o mate
toda a sua mística significação.
Acontece com a cuia de mate como à tabaqueira.
Esta anda de nariz em nariz e aquela de boca em boca.
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Primeiro
sorveu um velho capitão. Depois um jovem, um
pardo decente – o nome do mulato não se
deve escrever; depois eu, depois o "spahi",
depois um mestiço de índio e afinal um
português, todos pela ordem. Não há
nisso, nenhuma pretensão de precedência,
nenhum senhor e criado; é uma espécie
de serviço divino, uma piedosa obra cristã,
um comunismo moral, uma fraternidade verdadeiramente
nobre, espiritualizada!
Todos os homens se tornam irmãos, todos tomam
o mate em comum!" (Viagem pelo Sul do Brasil, 1.º,
191. Rio de Janeiro, 1953).
A palavra chimarrão tem origens no vocabulário
espanhol e português.
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Do
espanhol cimarrón, que significa chucro, bruto,
bárbaro, vocábulo empregado em quase toda
a América Latina, do México ao Prata,
designando os animais domesticados que se tornaram selvagens.
"E
assim, a palavra chimarrão, foi também
empregada pelos colonizadores do Prata, para designar
aquela rude e amarga bebida dos nativos, tomada sem
nenhum outro ingrediente que lhe suavizasse o gosto."
(Elucidário Crioulo, de Antonio Carlos Machado
em História do Chimarrão, de Barbosa
Lessa, 57).
Marron
em português, além de outros significados,
quer dizer clandestino, e cimarrón, em castelhano,
tem idêntico significado. Ora, sabe-se que o
comércio de mate e o preparo da erva foram
em tempos passados proibidos no Paraguai, o que não
impedia, entretanto, que clandestinamente continuasse
em largo uso naquela então colônia espanhola.
(Vocabulário Sul-Rio-Grandense, Luís
Carlos de Morais, 72, em História do Chimarrão,
de Barbosa Lessa, 57).
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Os
10 mandamentos do Chimarrão |
Apesar
de simples e informal, a roda de chimarrão tem
suas regras. Verdadeiros mandamentos, que devem ser
respeitados por todos. Se você é iniciante
ou está redescobrindo o costume, observe esses
pontos relacionados com boa dose de humor:
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1-
NÃO PEÇAS AÇÚCAR NO MATE
O gaúcho aprende desde piazito o porquê
o chimarrão se chama também mate amargo
ou, mais intimamente, amargo apenas. Mas se tu és
de outros pagos, mesmo sabendo, poderá achar
que é amargo demais e cometer o maior sacrilégio
que alguém pode imaginar nesse pedaço
do Brasil: pedir açúcar. Pode-se por água,
ervas exóticas, cana, frutas, cocaína,
feldspato, dollar, etc... mas jamais açúcar.
O gaúcho pode ter todos os defeitos do mundo,
mas não merece ouvir um pedido desses. Portanto,
tchê, se o chimarrão te parece amargo demais,
não hesites, pede uma coca-cola com canudinho.
Tu vais te sentir bem melhor.
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2-
NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO É ANTI-HIGIÊNICO
Tu podes achar que é anti-higiênico por
a boca onde todo mundo põe. Claro que é.
Só que tu não tens o direito de proferir
tamanha blasfêmia em se tratando de chimarrão.
Repito: pede uma coca-cola de canudinho. O canudo é
puro como a água de sanga (pode haver coliformes
fecais e estafilococos dentro da garrafa, não
nele).
3-
NÃO DIGAS QUE O MATE ESTÁ QUENTE DEMAIS
Se todos estão chimarreando sem reclamar da temperatura
da água, é porque ela é perfeitamente
suportável por pessoas normais. Se tu não
és uma pessoa normal, assume tuas frescuras (caso
desejes te curar, recomendamos uma visita ao analista
de Bagé). Se, porém, te julgas perfeitamente
igual aos demais, faze o seguinte: vai para o Paraguai.
Tu vai adorar o chimarrão de lá.
4-
NÃO DEIXES UM MATE PELA METADE
Apesar da grande semelhança que existe entre
o chimarrão e o cachimbo da paz, há diferenças
fundamentais. Como o cachimbo da paz, cada um dá
uma tragada e passa-o adiante, já o chimarrão
não. Tu deves tomar toda a água servida
até ouvir o ronco da cuia vazia. A propósito,
leia logo o mandamento abaixo.
5- NÃO TE ENVERGONHES DO "RONCO"
NO FIM DO MATE
Se, ao acabar o mate, sem querer fizer a bomba "roncar",
não te envergonhes. Está tudo bem, ninguém
vai te julgar mal-educado. Esse negócio de chupar
sem fazer barulho vale para a coca-cola com canudinho
que tu podes até tomar com o dedinho levantado
(fazendo pose de assumida).
6- NÃO MEXAS NA BOMBA
A bomba de chimarrão pode muito bem entupir,
seja por culpa dela mesma, da erva ou de quem preparou
o mate. Se isso acontecer, tens todo o direito de reclamar.
Mas por favor, não mexas na bomba. Fale com quem
te passou o mate ou com quem lhe passou a cuia. Mas
não mexas na bomba, não mexas na bomba
e, sobretudo, não mexas na bomba.
7- NÃO ALTERE A ORDEM EM QUE O MATE É
SERVIDO
Roda de chimarrão funciona como cavalo de leiteiro.
A cuia passa de mão em mão, sempre na
mesma ordem. Para entrar na roda, qualquer hora serve,
mas depois de entrar, espera sempre a tua vez e não
queiras favorecer ninguém, mesmo que seja a mais
prendada prenda do estado.
8- NÃO CONDENES O DONO DA CASA POR TOMAR
O PRIMEIRO MATE
Se tu julgas o dono da casa um grosso por preparar o
chimarrão e tomar ele próprio o primeiro
mate, saibas que o grosso és tu. O pior mate
é o primeiro, e quem toma está te prestando
um favor.
9- NÃO DURMAS COM A CUIA NA MÃO
Tomar mate solito é um excelente meio de meditar
sobre as coisas da vida. Tu mateias sem pressa, matutando...
E às vezes te surpreendes até imaginando
que a cuia não é cuia, mas o quente seio
moreno daquela chinoca faceira que apareceu no baile
do Gaudêncio... Agora, tomar chimarrão
numa roda é muito diferente. Aí o fundamental
não é meditar, mas sim integrar-se à
roda. Numa roda de chimarrão, tu falas, discutes,
ris, xingas, enfim, tu participas de uma comunidade
em confraternização. Só que essa
tua participação não pode ser levada
ao extremo de te fazer esquecer a cuia que está
na tua mão. Fala quanto quizeres mas não
esqueças de tomar o teu mate que a moçada
tá esperando.
10- NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO
DÁ CÂNCER NA GARGANTA
Pode até dar. Mas não vai ser tu, que
pela primeira vez pega na cuia, que irás dizer,
com ar de entendido, que o cancerígeno. Se aceitaste
o mate que te ofereceram, toma e esqueces o câncer.
Se não der para esquecer, faz o seguinte: pede
uma coca-cola com canudinho que ela etc... etc...
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